11/07/2017

A vantagem de jogar em casa («home advantage») no futebol português

A curiosidade e o futebol, em desfavor de qualquer tipo de pressão ou incentivo, sempre fizeram parte da minha vida. Contudo, não vivo nem da curiosidade nem do futebol. Um dia destes achei piada a um fenómeno designado nos meandros das ciências do desporto de «home advantage». Em suma, trata-se da capacidade de uma equipa conquistar mais de 50% dos seus pontos finais no seu reduto (em casa), quando disputadas competições com calendários equilibrados, isto é, com o mesmo número de jogos nas condições de visitado e visitante, perante as mesmas equipas adversárias.

Os efeitos do «home advantage» têm sido comprovados em diversos jogos desportivos coletivos, incluindo o futebol, o futsal, o andebol, o basquetebol, o râguebi, o voleibol, etc. No entanto, apesar das múltiplas evidências recolhidas ao longo das últimas décadas, pouco se investiu em tentar perceber (1) quais as diferenças (e se, de facto, existem) entre diferentes níveis competitivos e (2) as tendências temporais do fenómeno numa ou mais modalidades, num determinado país. Por razões óbvias, a nossa escolha recaiu sobre Portugal. Ontem, no dia em que se comemorou o primeiro aniversário da conquista do Campeonato Europeu de Futebol pela nossa seleção, o produto final foi publicado no número 3 do volume 17 da revista científica britânica International Journal of Performance Analysis in Sport, agora sob a chancela da editora multinacional Routledge. Um acaso feliz. Este artigo contou com a inestimável colaboração da prof. Anna Volossovitch do SpertLab da Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa (figura 1).

Figura 1. Cabeçalho, título e autores do artigo.

A amostra incluiu 32.400 jogos disputados em três níveis competitivos desde a época 2005/2006 até à época 2015/16, perfazendo um total de 11 épocas desportivas. Os níveis competitivos definidos foram os seguintes:
·  Profissional – Campeonato da I Liga;
· Semiprofissional – Fases regulares da 2ª Divisão B, Campeonato Nacional de Seniores e Campeonato de Portugal Prio;
·  Amador – principais campeonatos de 9 associações distrital de futebol de Portugal continental (Algarve, Beja, Évora, Castelo Branco, Coimbra, Lisboa, Guarda, Porto e Vila Real).

O efeito «home advantage» (>50%) foi observado em todos os níveis competitivos, obtendo-se os seguintes valores médios: profissional – 58.31%; semiprofissional – 60.46%; amador – 60.36%. O nível competitivo influenciou significativamente a vantagem de jogar em casa, sendo o valor médio do nível profissional significativamente inferior aos valores médios dos níveis semiprofissional e amador. Entre estes últimos a diferença não obteve significado estatístico. A figura 2 mostra as tendências temporais, a médio prazo, do «home advantage» nos três níveis competitivo do futebol português.

Figura 2. As tendências temporais do «home advantage» na última década do futebol português.

A médio prazo, foi possível comprovar um decréscimo significativo do efeito de jogar em casa no futebol português. Contudo, quando analisados os níveis competitivos isoladamente, verificou que as correlações lineares negativas apenas foram significativas nos níveis semiprofissional e amador. No nível profissional, não obstante o declínio da «home advantage» previamente evidenciado por Marques (2009), demonstrou-se que, nos anos mais recentes, tem havido uma estabilização dos valores médios em torno dos 56-59%. Muito genericamente, e reportando-nos exclusivamente à última década, concluímos que a vantagem de jogar em casa tem perdido importância no futebol português. Aos demais interessados sobre a temática, esta curtíssima síntese do artigo não dispensa a leitura integral do mesmo. Aqui vos deixo mais alguns detalhes originais do nosso trabalho:

Abstract
This study aimed to examine the influence of level of competition (amateur, semi-professional and professional) on the magnitude of home advantage (HA) in Portuguese football, and to verify whether the HA has changed over time. Archival data from 32,400 matches contested in the three levels of competition over 11 seasons (from 2005/2006 to 2015/2016) were analysed. HA was quantified each season for each league as the number of points won at home expressed as a percentage of all points won at home and away. The mean values of HA were significantly greater than 50% in all levels of Portuguese football (p < 0.001). One-way repeated-measures ANOVA showed a significant effect of competitive level on HA (p < 0.05). In the professional league, the HA was significantly lower (58.31%) than in amateur and semi-professional competitive levels (60.36% and 60.46%, respectively). Altogether, a declining HA effect was found in Portuguese football in recent years. However, negative linear relationships between HA and time were only significant at amateur and semi-professional levels (p < 0.05), while the decline in the major professional league has already started to level off. These findings demonstrate that the advantage of playing at home is losing importance in Portugal. The declining effect of HA, previously evidenced in major professional leagues, has been mirrored by a similar decline at amateur and semi-professional levels within the country. Future research should confirm whether the trends identified in Portugal are also verified in football leagues of other countries.

Keywords: home advantage, match location, expertise, temporal changes, soccer.

Reference
Almeida, C. H., & Volossovitch, A. (2017). Home advantage in Portuguese football: Effects of competitive level and mid-term trends. International Journal of Performance Analysis in Sport, 17(3), 244-255. (link)