13/04/2024

Sports Engineering (Vol. 27, 2024) | O “Video Assistant Referee” (VAR) no futebol: Uma revisão

No final de agosto do ano passado fui apanhado de surpresa com uma proposta para colaborar num projeto de investigação internacional. Na ocasião, explicou-me o autor principal do estudo – Dr. Jaime A. Teixeira da Silva –, a revisão narrativa sobre o impacto do vídeo-árbitro (VAR) no futebol já se encontrava numa fase adiantada de produção, mas a equipa necessitava de inputs para reforçar conceitos, verificar a respetiva precisão, expandir a base de literatura analisada e restruturar o conteúdo, se necessário. 

Sem compromissos, aceitei o desafio e tentei dar o melhor de mim para auxiliar uma equipa multidisciplinar e oriunda de diversas partes do mundo: Japão, Ucrânia, Chéquia, Alemanha e Reino Unido. Após alguns meses de um esforço colaborativo notável, exemplarmente liderado pelo Dr. Jaime, o estudo viu ontem a “luz do dia” na revista Sports Engineering (figura 1).

 

Figura 1. Informações editoriais da revisão narrativa sobre o VAR no futebol, publicada na revista Sports Engineering.

 

A revisão incluiu 117 títulos sobre o tema e, utilizando literatura em inglês indexada de 2018 a 2024, foram propostos quatro pontos focais para análise e discussão: (1) o impacto do VAR na arbitragem; (2) os resultados práticos da implementação do VAR em diversas competições; (3) a influência do VAR nos adeptos e na pressão mediática; (4) as limitações técnicas e os problemas na implementação do VAR à escala global.

 

1. Impacto do VAR na arbitragem

Este tópico explora a influência do VAR nas decisões dos árbitros e dos árbitros assistentes, abordando os desafios enfrentados pela equipa de arbitragem em ambientes de alta pressão. A adaptação dos árbitros ao VAR também foi discutida. Apesar dos benefícios percebidos do VAR no aumento da precisão das decisões, existem preocupações sobre a inconsistência e controvérsia nas revisões, especialmente em situações de fora de jogo, destacando a necessidade de mais estudos para entender melhor a experiência dos árbitros assistentes após a implementação desta inovação tecnológica.

 

2. Experiências e resultados práticos da implementação do VAR em diversas competições

A revisão também analisou o impacto da introdução do VAR em várias competições de futebol, revelando alguns resultados diversos, consoante a competição em causa. De facto, o VAR pode ter impacto nos resultados dos jogos e, por vezes, reverter as decisões iniciais dos árbitros. A este nível, convém salientar que a precisão da tomada de decisão dos árbitros aumentou 6% com o VAR. Verificou-se, ainda, uma tendência geral para o aumento do tempo total de jogo pós-VAR, acompanhada por uma diminuição do número de faltas e foras de jogo. No entanto, a posição da literatura existente sobre o número de golos, cartões (amarelos e vermelhos) e distância percorrida pelos jogadores, por exemplo, não é consensual. No geral, o VAR parece ter tido um impacto positivo em termos de experiências práticas e resultados em diferentes competições nacionais e internacionais.

 

3. A influência do VAR nos adeptos e na pressão dos média

Os adeptos de futebol desempenham um papel crucial na dinâmica do jogo e as suas opiniões sobre o VAR devem ser consideradas. A investigação aponta para uma maioria favorável à introdução do VAR, independentemente da afiliação a um clube. Contudo, a perceção do VAR pode variar, com alguns adeptos a manifestar insatisfação sobre a aplicação da tecnologia e o impacto negativo na atmosfera dos jogos. Além disso, enquanto alguns estudos sugerem um acolhimento positivo por parte dos fãs que assistem em casa, outros estudos apontam para uma tendência geral de descrédito em relação ao VAR. Apesar de ser uma ferramenta controversa, o VAR é percebido como benéfico para a transparência e objetividade das decisões, embora uma precisão absoluta nunca possa ser garantida devido à intervenção humana. Em suma, os trabalhos examinados fornecem uma perspetiva interessante sobre as experiências dos adeptos com a aplicação do VAR, enfatizando a importância de equilibrar a eficácia das decisões com a satisfação da experiência dos fãs enquanto consumidores da modalidade.

 

4. Limitações técnicas e problemas na implementação do VAR à escala global

As limitações técnicas e outras questões relacionadas com o uso do VAR em todo o mundo são exploradas nesta secção. A operacionalização eficaz do VAR depende da colocação estratégica de câmaras para garantir uma cobertura adequada do jogo. As ferramentas de rastreamento em tempo real ainda apresentam margens de erro que não as tornam totalmente fiáveis. Enquanto o VAR é visto como uma ferramenta para melhorar a tomada de decisão dos árbitros, não constitui uma solução universal rápida para os vieses da condição humana. A implementação do VAR também se encontra limitada por questões orçamentais, especialmente em ligas economicamente menos viáveis. Ademais, a distância entre as salas de operação do VAR pode resultar em viagens extensas para os operadores. Estas limitações podem comprometer a integridade do processo de tomada de decisão do VAR e a sua capacidade de melhorar a eficácia decisional dos árbitros em competição. 

O resumo original do estudo consta a seguir (figura 2).

 

Figura 2. Abstract da revisão narrativa publicada na revista Sports Engineering (p. f., clique para ampliar).

 

Agradeço imenso o convite que me foi endereçado e manifesto o enorme prazer que tive em colaborar com uma equipa repleta de competência, organização, espírito crítico e colaborativo. Que possa ser útil para a comunidade futebolística.

 

Reference

Teixeira da Silva, J. A., Nazarovets, S., Carboch, J., Deutscher, C., Almeida, C. H., Webb, T., & Scelles, N. (2024). The video assistant referee in football. Sports Engineering, 27, 14. https://doi.org/10.1007/s12283-024-00459-3

27/03/2024

Artigo do mês #51 – março 2024 | Quão efetivas são as dicas externas e as analogias na melhoria do desempenho de sprint e salto em jovens jogadores de uma academia profissional de futebol?

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto. 

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Autores: Moran, J., Allen, M., Butson, J., Granacher, U., Hammami, R., Clemente, F. M., Klabunde, M., & Sandercock, G.

País: Inglaterra

Data de publicação: 1-fevereiro-2024

Título: How effective are external cues and analogies in enhancing sprint and jump performance in academy soccer players?

Referência: Moran, J., Allen, M., Butson, J., Granacher, U., Hammami, R., Clemente, F. M., Klabunde, M., & Sandercock, G. (2024). How effective are external cues and analogies in enhancing sprint and jump performance in academy soccer players? Journal of Sports Sciences, 1–8. Advance online publication. https://doi.org/10.1080/02640414.2024.2309814

  

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 51 – março de 2024.

 

Apresentação do problema

Uma dica de treino é uma instrução verbal que pode ser utilizada para direcionar o foco de atenção de um indivíduo para o movimento, no sentido de otimizar a sua execução (Benz et al., 2016). As dicas que centram a atenção do praticante no resultado da ação no ambiente externo (e.g., num objeto) ou interno (e.g., numa parte corporal) afetam o desempenho motor (Chua et al., 2021; Porter et al., 2013; Vance et al., 2004). A hipótese da ação condicionada sugere que a atenção interna controla o movimento de forma deliberada, enquanto o foco externo promove a automatização da ação (McNevin et al., 2003; Wulf, 2012). Os treinadores podem recorrer a instruções com foco externo para promover a eficiência de movimento (Guss-West & Wulf, 2016), potencialmente melhorando a aprendizagem ao longo do tempo (Nicklas et al., 2022). 

Com base em estudos anteriores, Winkelman (2018) demonstrou os efeitos positivos de incluir uma componente direcional numa dica verbal para aprimorar o desempenho motor. É evidente que as dicas com foco de atenção distal são mais eficazes para a performance em saltos do que as com foco proximal. No contexto da locomoção, observou-se que os praticantes podem melhorar consideravelmente o seu desempenho quando o foco está voltado para um ponto ou alvo distante (Winkelman, 2018). 

Por outro lado, um aspeto pouco explorado na literatura sobre o treino de habilidades motoras é o uso de analogias para transmitir o propósito de uma instrução específica. Uma analogia é uma ferramenta verbal valiosa que integra informações biomecânicas de forma a facilitar a comunicação da velocidade e posição corporal necessárias para a execução da habilidade, ainda que de maneira simbólica (Powell et al., 2021). Os estudos indicam que crianças apresentaram um desempenho significativamente melhor em habilidades de andebol quando as dicas de treino foram apresentadas por meio de analogias (Fasold et al., 2020). Esta abordagem pode ser particularmente benéfica ao trabalhar com jovens, uma vez que melhora a compreensão e o desempenho subsequente (Kushner et al., 2015; Radnor et al., 2020). Contudo, são necessárias mais pesquisas para avaliar completamente a eficácia desta estratégia pedagógica. 

A literatura tem documentado que o uso de uma dica de treino externa, ou foco de atenção externo, pode resultar em melhores desempenhos em comparação com uma dica de treino interna, ou foco de atenção interno (Li et al., 2022; Makaruk et al., 2020; Wulf, 2012). No entanto, recentemente, numa ampla amostra internacional diversificada de jovens, foi comprovado que o mesmo princípio pode não se aplicar em idades inferiores a 18 anos (Moran et al., 2023). A adoção das técnicas de treino mencionadas para desenvolver habilidades, como correr e saltar, pode não representar necessariamente a estratégia ótima de treino para jovens (figura 2). Apesar de alguns estudos terem examinado o efeito do foco de atenção no desempenho de habilidades motoras em idades juvenis, os resultados parecem variar mais do que os realizados na idade adulta. Torna-se, assim, difícil determinar se a manipulação do foco de atenção através de dicas pode (ou não) melhorar a performance de jovens, como parece suceder nos adultos. Enquanto os adultos tendem a exibir uma maior propensão para se concentrarem em informações relevantes, os jovens focam-se tanto em informações relevantes como irrelevantes (Jung et al., 2023), o que, embora potencialmente vantajoso, pode afetar negativamente o nível de atenção que dedicam a uma instrução concreta (Connell, 2003).

 

Figura 2. Recurso a dicas de treino internas e externas para melhorar a performance de salto em jovens atletas (fonte: https://athletesacceleration.com) (imagem não publicada pelos autores).

 

À luz dos resultados reportados em jovens praticantes (Moran et al., 2023), tem sido especulado que, devido ao período de atenção mais curto e ao desenvolvimento cognitivo menos avançado, os indivíduos mais jovens podem ser menos recetivos a certas dicas de treino, comparativamente com os adultos (Yamada et al., 2022). Porém, considerando as coortes incluídas no estudo de Moran e colegas (2023), nenhuma poderia ser considerada como “elite”, quer em termos de longevidade, como na qualidade de treino a que os participantes foram expostos ao longo das respetivas carreiras desportivas. Deste modo, numa tentativa de suprimir as limitações desse estudo, os autores procuraram explorar a eficácia de dicas externas, dicas internas e “analogias com componente direcional” no desempenho de habilidades motoras em jogadores de futebol de elite, pertencentes a academias profissionais. Embora as analogias possam ser muito úteis no treino, até ao momento, os efeitos desta técnica associada a uma componente direcional (ou seja, “perto” vs. “longe”) ainda estão por confirmar (Winkelman, 2020).

 

Métodos

Participantes: 20 jovens jogadores de uma academia profissional de futebol (idade média: 14,7 ± 0,25 anos; idade biológica média: 14,6 anos; estatura média:166,9 ± 5,9 cm; massa corporal média: 53,9 ± 6,4 kg). Apenas indivíduos com menos de 18 anos e saudáveis foram elegíveis para participar no estudo. A pesquisa esteve conforme os princípios da Declaração de Helsínquia, sendo que os consentimentos dos pais e dos participantes foram obtidos antes do início da experiência. 

Desenho experimental: para examinar os efeitos de diferentes dicas externas, dicas internas e analogias com componente direcional (“perto” e “longe”) no desempenho de saltos e sprints em jovens futebolistas, foi cumprido um protoloco experimental. Os participantes realizaram saltos verticais e sprints de 20 metros, recebendo uma dica de treino específica antes de cada ação. Uma análise prévia de potência indicou que uma amostra de 20 participantes seria mais do que adequada para detetar os efeitos esperados nos testes de sprint e salto. Cada participante realizou 10 saltos e 10 sprints, com uma única dica de instrução fornecida imediatamente antes de cada ação. Foram concedidas 5 dicas diferentes para os sprints e 5 dicas diferentes para os saltos, o que significa que cada participante recebeu cada dica individual duas vezes. As dicas em si encaixavam-se em 5 categorias distintas (ver tabela 1). As dicas neutras “salte o mais alto possível” e “corra o mais rápido possível” foram usadas como dicas de controle.

 

Tabela 1. Dicas para os sprints e para os saltos (adaptado de Moran et al., 2024).

Aquecimento: antes dos testes físicos, foi realizado um aquecimento padronizado de 8 minutos, incluindo corrida de baixa intensidade, exercícios dinâmicos (e.g., skipping alto, balanços de perna para frente, lunges laterais) e saltos e sprints submáximos. Como preparação, os participantes foram autorizados a executar duas repetições submáximas ao longo de 5 metros e uma repetição máxima ao longo de 10 metros para se familiarizarem com o formato do teste de sprint (Winkelman et al., 2017). Os participantes foram incentivados a executar ações de baixa intensidade entre os testes. 

Saltos: o teste de salto vertical com contramovimento foi realizado utilizando o aparelho OptoJump (Microgate, Bolzano, Itália), conhecido pela sua validade e fiabilidade (Glatthorn et al., 2011). A cada participante foi pedido para “saltar o mais alto possível nos próximos 10 saltos”. Também foram informados de que “antes de cada salto, receberão uma dica de treino específica. Concentrem-se ao máximo nesta dica durante o salto” (Winkelman et al., 2017). Todas as dicas foram dadas a partir de uma posição sentada, cerca de um metro à esquerda da posição do participante. Houve um intervalo mínimo de 2 minutos entre os saltos, e o melhor resultados das duas tentativas foi analisado (Moran et al., 2017). 

Sprint de 20 metros: para medir a velocidade de sprint, foram utilizados portões de cronometragem (Brower Timing Systems, Draper, UT, EUA), também altamente fiáveis na medição da velocidade máxima (Shalfawi et al., 2012). Os participantes foram instruídos a adotar uma posição com 2 apoios, com os braços opostos às pernas e um pé atrás da linha de partida. Foi solicitado que cada participante realizasse os 10 sprints à velocidade máxima, com dicas de treino específicas cedidas antes de cada repetição (Winkelman et al., 2017). As dicas foram dadas a partir de uma posição sentada aproximadamente a um metro à esquerda da linha de partida. Os sprints iniciaram-se logo após a verbalização da dica, sendo propostos, no mínimo, 2 minutos de descanso entre cada sprint. Os portões de cronometragem foram posicionados um metro à frente dos participantes ao nível das coxas para capturar o movimento do tronco e evitar falsas partidas quando acionados pelos membros superiores (Ramirez-Campillo et al., 2021). 

Análise estatística: no sentido de avaliar as diferenças entre as dicas externas, dicas internas, as duas analogias com componente direcional e a dica neutra, correu-se uma ANOVA de medidas repetidas. Para o efeito, utilizou-se o software JASP (v. 10.2, Universidade de Amesterdão). As assunções de normalidade e esfericidade foram testadas com Shapiro–Wilk e Mauchly, respetivamente. Nas análises post-hoc aplicou-se a correção de Bonferroni (p < 0,05). Foram ainda utilizadas as dimensões de efeito do d de Cohen para examinar as diferenças entre as condições, sendo os valores interpretados segundo a proposta de Hopkins et al. (2009): <0,2 = trivial; 0,2–0,6 = pequeno, 0,6–1,2 = moderado, 1,2–2,0 = grande, 2,0–4,0 = muito grande, >4,0 = extremamente grande.

 

Principais resultados

A figura 3 oferece uma representação visual dos principais resultados do estudo.

 

Figura 3. Médias do tempo de sprint (em cima, em segundos) e da altura de salto (em baixo, em centímetros) para o grupo de 20 jogadores, em função de diferentes condições de foco atencional: neutro (neutral), “para longe” (away), “para perto” (towards), interno (internal) e externo (external) (Moran et al., 2024).

 

Tanto no sprint, como no salto, foram detetadas diferenças significativas entre os diversos tipos de dica. No sprint de 20 metros, as diferenças significativas entre as dicas externas e internas foram significativamente favoráveis para as dicas externas. Por sua vez, a comparação entre as dicas internas e as analogias com componente direcional “para longe” ditou resultados significativamente superiores para a analogia “para longe”. Não foram detetadas diferenças significativas entre as outras categorias de dica. 

No caso do salto vertical, não foram encontradas diferenças significativas entre as dicas, excetuando a comparação entre a analogia com componente direcional “para longe” e a dica de controlo (neutra), favorável a esta última.

 

Aplicações práticas

Dados os resultados apresentados, propomos 4 aplicações práticas que podem ser seguidas pelos treinadores para melhorar o desempenho de sprint e salto em contexto de treino:

 

1.  Utilizar dicas de treino externas e analogias com componente direcional para ações de sprint: os treinadores que trabalham com jovens futebolistas podem recorrer a dicas externas e analogias com componente direcional para melhorar a velocidade de sprint de forma mais efetiva, pelo menos quando comparadas com dicas internas. Esses 2 tipos de dicas de treino foram, de facto, mais eficazes na promoção de desempenhos superiores em alguns casos. 

2. Considerar a eficácia de dicas neutras na performance de saltos verticais: os profissionais do treino devem reconhecer que, no caso concreto das ações de salto, simplesmente aplicar dicas neutras que encorajam o esforço máximo pode ser tão eficaz quanto dicas mais sofisticadas. Encorajar o desempenho máximo, sem manipular o foco de atenção, pode incentivar esforços superiores por parte dos jovens praticantes de futebol, designadamente em tarefas ou testes de salto. 

3. Adaptar dicas instrucionais para jovens atletas: uma vez que há diferenças claras entre jovens e adultos em competências neurocognitivas e na propensão para seguir determinadas instruções, há que saber adaptar as dicas instrucionais em conformidade. Assim, os treinadores devem concentrar-se em utilizar dicas que sejam facilmente percebidas pelos jovens atletas, por forma a garantir desempenhos ótimos mais cedo e um desenvolvimento contínuo e progressivo das mais diversas habilidades. 

4. Solicitar concentração e padronizar as dicas de treino: os treinadores devem exigir que os jovens permaneçam concentrados na tarefa em mãos para maximizar o desempenho. Enquanto dicas externas e internas requerem que os participantes mantenham um foco específico no decurso da ação, as dicas neutras apenas apelam a um esforço máximo. Por outro lado, assegurar a padronização das dicas em várias tarefas torna a comunicação mais fluida e efetiva, fomentando a compreensão e a consistência da performance.

 

Conclusão

No presente estudo, encontraram-se evidências que apoiam o uso de dicas externas e analogias com componente direcional no treino da velocidade de corrida em jovens futebolistas de elite. O recurso a analogias pode constituir um modelo de comunicação mais acessível, facilitando a compreensão das instruções do treinador. Assim, uma linguagem de treino mais evocativa pode ser preferível às dicas convencionais, se resultar numa melhor compreensão contextual do que é exigido aos atletas. Contudo, os resultados do estudo não indicaram um efeito universalmente positivo das dicas experimentais nos testes de desempenho utilizados. Parece que incentivar simplesmente o desempenho máximo pode ser igualmente eficaz, especialmente em ações de salto. Estes resultados não devem desencorajar necessariamente os treinadores de utilizar dicas externas ou analogias com componente direcional, uma vez que podem ainda ser úteis na execução de uma habilidade motora. Acima de tudo, qualquer profissional do treino deve estar ciente de que o nível de experiência, a compreensão e a capacidade de atenção de um jovem podem afetar o desempenho motor, sendo aconselhável uma abordagem individualizada na orientação instrucional.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Journal of Sports Sciences.

16/03/2024

P'las Veredas de Monchique 2023/24 | Percurso Pedestre das Cascatas + Rota das Adelfeiras (10-mar-2024)

Há alguns anos que ando - literalmente! - nestas lides. Contudo, raras foram as ocasiões que me permitiram desfrutar dos 19,2 km realizados na Foia, como no passado domingo. 

Porquê? Por causa da água com que nos deparámos ao longo de todo o percurso. Não me lembro de ter descido o trilho dos castanheiros da Foia, no sentido do Penedo do Buraco, pelas bermas do mesmo, caso contrário ficaria com os pés encharcados. O trilho era o que outrora fora: um curso de água. 

As cascatas do Penedo do Buraco e do Chilrão, praticamente secas durante todo o ano, voltaram a mostrar-nos resquícios do passado: resplandecentes, refrescantes e cristalinas (figuras 1 e 2).

 

Figura 1. Cascata do Penedo do Buraco, Foia, Monchique, Portugal (10-mar-2024).

 

Figura 2. Cascata do Chilrão, Monchique, Portugal (10-mar-2024).

 

Uma vez que estes momentos podem ser cada vez mais efémeros, em seguida deixo-vos um vídeo com breves imagens da cascata do Chilrão para a posterioridade. O que foi, talvez nunca o voltará a ser do mesmo modo. A água, essa, a existir, procurará sempre os caminhos que lhe pertencem por direito.


26/02/2024

Artigo do mês #50 – fevereiro 2024 | Proposta ecológica para o desenvolvimento da habilidade e da performance no treino de guarda-redes de futebol: Evidências empíricas e aplicações para o treino

Nota prévia: O artigo científico alvo da presente síntese foi selecionado em função dos seguintes critérios: (1) publicado numa revista científica internacional com revisão de pares; (2) publicado no último trimestre; (3) associado a um tema que considere pertinente no âmbito das Ciências do Desporto. 

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Autores: Modric, T., Carling, C., Lago-Peñas, C., Versic, Š, Morgans, R., & Sekulic, D.

País: Suécia

Data de publicação: 31-janeiro-2024

Título: An ecological approach for skill development and performance in soccer goalkeeper training: Empirical evidence and coaching applications

Referência: Bastias, E., Otte, F. W., Vaughan, J., Swainston, S., & O’ Sullivan, M. (2024). An ecological approach for skill development and performance in soccer goalkeeper training: Empirical evidence and coaching applications. Journal of Sports Sciences, 1–12. Advance online publication. https://doi.org/10.1080/02640414.2024.2306449

  

Figura 1. Informações editoriais do artigo do mês 50 – fevereiro de 2024.

 

Apresentação do problema

A dinâmica ecológica tem surgido como uma estrutura teórica de referência para o desenvolvimento de habilidades e para a melhoria do desempenho desportivo (Araújo & Davids, 2016; O’Sullivan et al., 2021; Vaughan et al., 2019). O respetivo racional pressupõe que o desenvolvimento das habilidades é um processo dinâmico, no qual os praticantes e o ambiente estão intrinsecamente ligados. Esta teoria sublinha que a performance é o resultado de uma interação contínua que requer uma constante autorregulação e adaptação do sistema percetivo-motor (Araújo & Davids, 2016; Davids et al., 2017). Mais especificamente, os sistemas percetivo-motores adaptam-se às capacidades do indivíduo, à tarefa e às propriedades do ambiente (Gibson, 1979; Newell, 1986). No desporto, os constrangimentos da tarefa visam moldar a intenção da atividade, incluindo as dimensões do campo, o número de jogadores, número e tipo de balizas, sinalizadores e modificação das regras. Os constrangimentos ambientais geralmente vão além da manipulação do treinador, como o clima, a temperatura e a iluminação (Newell, 1986). Embora haja evidências que sustentam que os constrangimentos da tarefa e do ambiente influenciam a aprendizagem e o desempenho desportivo (Edelman & Gally, 2001; Ribeiro et al., 2019a, 2019b), ainda há a necessidade de confirmar empiricamente este raciocínio, especialmente relevante em contextos específicos como o treino específico de guarda-redes (GR) no futebol. 

O impacto dos constrangimentos da tarefa e do ambiente na performance desportiva tem sido estudado em diversas modalidades (Aguiar et al., 2012; Sarmento et al., 2018). Por exemplo, no futebol, ajustar o tamanho da área de treino pode afetar a frequência de ações básicas, como interceções, remates à baliza ou desarmes (Casamichana & Castellano, 2010; Fleay et al., 2018). Introduzir um desequilíbrio numérico nas equipas (e.g., 6v5) pode aumentar o número de passes bem-sucedidos em jogos reduzidos (Bonney et al., 2020). Embora estudos anteriores confirmem que a aquisição de habilidades motoras melhora com a prática acumulada (Dayan & Cohen, 2011; Doyon & Ungerleider, 2002; Pascual-Leone et al., 1994), os efeitos do treino no desempenho podem variar consideravelmente dependendo da tarefa (Ashby et al., 2010; Doyon & Benali, 2005). Os constrangimentos ambientais também podem influenciar significativamente o desempenho técnico dos jogadores. Aliás, tem sido produzida investigação em torno do impacto do clima nas capacidades fisiológicas dos atletas (Carling et al., 2011; Mohr et al., 2012) e nas oportunidades de golo durante um jogo (Brocherie et al., 2015). 

Contudo, examinar a influência dos constrangimentos da tarefa e do ambiente no desempenho desportivo pode ser condicionado por fatores de confusão específicos, ou seja, que podem mascarar os efeitos das variáveis do estudo na performance dos jogadores (Bernards et al., 2017; Teune et al., 2022a). Por exemplo, a estrutura da sessão de treino (i.e., a ordem das tarefas após o aquecimento) pode deturpar o efeito dos constrangimentos (Araújo & Davids, 2016), ao regular o estado físico e/ou coordenativo crítico dos participantes no decurso da sessão de treino. Deste modo, a análise dos resultados da aplicação de constrangimentos no desempenho, em vários contextos desportivos tão específicos como o treino de GR (figura 2), merece mais atenção académica.

 

Figura 2. Guarda-redes da equipa feminina do Liverpool FC em situação de treino específica (imagem não publicada pelos autores; fonte: https://theathletic.com).

 

Constrangimentos da tarefa e ambientais no treino de GR

No futebol, o GR enfrenta uma variedade de desafios que exigem adaptação constante às dinâmicas do jogo (Otte et al., 2022; Quinn et al., 2023; West, 2018). Este ajuste abrange aspetos tático-técnicos, físicos, psicológicos e sociais. A perceção das respetivas oportunidades de ação varia substancialmente consoante a informação ambiental disponível (O’Sullivan et al., 2021; Ribeiro et al., 2019b). É neste âmbito que pesquisas delineadas segundo a abordagem ecológica enriquecem a nossa compreensão acerca da aquisição de habilidades por parte dos GR. Recentemente, foi proposta uma estrutura teórica precisamente para contextualizar o treino de GR do ponto de vista ecológico (figura 3): Periodization of Skill Training (PoST), em português “Periodização da Aquisição de Habilidades” (Otte et al., 2019; Otte et al., 2021).

 

Figura 3. Representação da estrutura teórica “Periodização da Aquisição de Habilidades” para contextos específicos de treino (adaptado de Otte et al., 2019).

 

Esta proposta providencia uma clara distinção entre a aprendizagem de habilidades e a preparação para o rendimento, introduzindo princípios de treino e etapas de desenvolvimento das habilidades. Estas etapas centram-se em 2 constrangimentos da tarefa fundamentais: 1) o nível de “representatividade do jogo” no treino e 2) a complexidade percebida das tarefas (Teune et al., 2022a, 2022b). Não obstante o desenvolvimento desta estrutura teórica, a influência da representatividade do jogo e da complexidade no desempenho dos GRs ainda não foi testada empiricamente. O objetivo deste estudo foi analisar como constrangimentos da tarefa e ambientais, juntamente com potenciais fatores de confusão relacionados com a amostra, influenciaram o desempenho de duas GRs profissionais de futebol feminino, num conjunto de 13 tarefas de treino.

 

Métodos

  

·     Participantes

Foram recrutadas duas GRs (doravante designadas por GR1 e GR2) com experiência de 2 anos na primeira divisão feminina sueca e passado em seleções nacionais. Para assegurar complexidade e representatividade semelhantes ao jogo real, envolveram-se outras duas GRs da equipa Sub-19, além dos treinadores de GR e jogadores de campo, quando necessário. Todos os participantes deram consentimento informado para a experiência.

  

·     Desenho do estudo e análise de dados

Tarefas de treino: a recolha de dados ocorreu ao longo de 57 dias de pré-época numa equipa feminina da primeira divisão sueca. As GRs do estudo foram expostas a 13 tarefas de treino representativas do ponto de vista ecológico, concebidas segundo o racional teórico proposto por O’Sullivan et al. (2021). As tarefas incluíram jogos em espaços reduzidos e formas jogadas, ajustáveis em complexidade e representatividade. Não foram dados feedbacks explícitos pelos treinadores durante as sessões, seguindo as diretrizes de Otte et al. (2019). O aquecimento antes das tarefas seguiu o protocolo FIFA11+S para prevenção de lesões, visando a ativação muscular dos membros superiores e inferiores. 

Variáveis preditivas: as tarefas de treino foram concebidas com base nos seguintes elementos: i) 8 constrangimentos da tarefa, ou seja, complexidade numérica, continuidade, função do jogador, equilíbrio da equipa, dimensões do campo, graus de liberdade espacial, representatividade paisagística e recorrência do treino; ii) 1 constrangimento ambiental, ou seja, o clima; e iii) ordem de atividade após o aquecimento, como uma variável referente à ordem das tarefas de estudo após o aquecimento, de modo a testar potenciais efeitos de confusão no desempenho das GRs. Uma síntese das definições destas variáveis consta na tabela 1.


Tabela 1. Variáveis independentes do estudo, em função do tipo de constrangimento, e respetivas definições operacionais (adaptado de Bastias et al., 2024).


Coeficientes de desempenho dos GRs: cada guarda-redes recebeu pontos por diferentes ações durante o treino, como defesas ou passes. Os coeficientes de desempenho foram calculados dividindo os pontos pelo número de tentativas, resultando numa média para cada tarefa e GR. Este cálculo não levou em conta a quantidade de tentativas, como confirmado pela correlação entre pontos e tentativas. 

Análise estatística: seguindo o Modelo de Pesquisa Aplicada para Ciências do Desporto (ARMSS; Bishop, 2008), foram realizadas análises de variância univariadas (ANOVA) para testar as relações entre o coeficiente de desempenho, usado como variável dependente, e os 10 preditores (ou variáveis independentes). As variáveis foram transformadas em logaritmo antes da análise para atender às assunções de normalidade e homogeneidade de variância. Além disso, foram realizadas ANOVAs múltiplas para explorar a variação do coeficiente de desempenho em relação aos preditores do estudo, utilizando um processo de eliminação progressiva para obter o modelo mais adequado. Foram utilizadas regressões lineares para investigar as relações entre o coeficiente de desempenho e os preditores mais significativos. Por fim, foram calculados coeficientes de correlação de Pearson para testar a associação entre os preditores mais significativos e o coeficiente de desempenho. Foram ainda utilizados modelos lineares mistos para testar o efeito das variáveis independentes sobre o coeficiente de desempenho, com a ordem de atividade após o aquecimento como fator aleatório. As análises foram executadas no software R versão 3.5.2 (R Core Team, 2018), com significância estatística definida em α = 0.05.

 

Principais resultados

Os coeficientes de desempenho das GRs variaram consideravelmente entre as tarefas de treino. Para a GR1, oscilou entre 0,12 e 0,75, com uma média de 0,49 ± 0,06, enquanto para a GR2 variou entre 0,10 e 0,92, com média de 0,59 ± 0,07 (tabela 2). O coeficiente de variação do desempenho entre as tarefas de treino foi de 40% para a GR1 e 37,7% para a GR2.

 

Tabela 2. Coeficientes de desempenho das duas GR do estudo ao longo das 13 tarefas de treino (adaptado de Bastias et al., 2024).

Nota 1: O coeficiente de desempenho foi calculado através da divisão do número de pontos alcançados (pa) por cada GR pelo número de pontos potenciais (pp) que poderiam alcançar.

Nota 2: Para a GR1, os dados da tarefa 5 não foram apresentados (na) devido à participação da atleta num encontro da equipa nacional.


Os resultados da ANOVA revelaram relações significativas entre o desempenho e alguns constrangimentos. Para a GR1, o desempenho esteve positivamente relacionado com a complexidade numérica e mostrou uma tendência de relação positiva com as dimensões do campo. No caso da GR2, o desempenho correlacionou-se positivamente com a complexidade numérica, representatividade paisagística e dimensões do campo. Além disso, a ordem de atividade após o aquecimento também teve influência no seu desempenho. A relação significativa entre o coeficiente de desempenho e a ordem de atividade após o aquecimento para a GR2 sugere que fatores de confusão podem ter influenciado as relações observadas entre as variáveis preditoras e o coeficiente de desempenho e, portanto, validam o uso de efeitos aleatórios na modelagem. 

As análises de regressão indicaram que, para as duas GRs, a relação entre o coeficiente de desempenho e a complexidade numérica é mais bem explicada por um modelo de regressão assintótica. A complexidade numérica esteve correlacionada com as dimensões do campo e tende a estar correlacionada com a representatividade paisagística. As dimensões do campo estiveram correlacionadas com a representatividade paisagística. Por fim, modelos de regressão linear múltipla mostraram que uma combinação linear de alguns destes fatores elucida melhor o desempenho do que modelos simples isoladamente, explicando 49% da variância observada para a GR1 e 46% para a GR2.

 

Aplicações práticas

Os resultados deste estudo têm uma grande transferibilidade para o contexto prático. Foi possível redigir 5 sugestões para serem aplicadas em situações de treino específicas para GR:


1.  Equacionar os diversos constrangimentos da tarefa: as tarefas de treino que mantêm maior proximidade com o jogo – nomeadamente, o número de jogadores, as dimensões do campo e os elementos dentro do espaço de treino –, parecem beneficiar a eficácia dos GRs em competição. A complexidade numérica teve um efeito mais significativo sobre o coeficiente de desempenho, pelo que constitui um constrangimento-chave na conceção de tarefas de treino/aprendizagem representativas para GRs. Cerca de 47% da variabilidade observada no desempenho das GRs foi explicada pela combinação dos constrangimentos da tarefa, o reflete a importância da correta manipulação de condicionantes estruturais no processo de treino. 

2. Impacto prático da complexidade numérica: os treinadores são encorajados a conceber tarefas de treino que envolvam um maior número de jogadores em interação, uma vez que tende a produzir melhores desempenhos nos GRs. Por exemplo, propor formas jogadas mais realistas, como o 3v2+GR, aumenta a representatividade e complexidade do cenário de treino. Pelo contrário, tarefas de baixa complexidade, como situações isoladas de 1v1, podem limitar a perceção e eficácia dos GRs na execução de ações específicas. Portanto, os treinadores devem manipular a complexidade numérica das tarefas de treino para facilitar a aquisição e o aperfeiçoamento das habilidades dos GRs, promovendo assim a melhoria do seu desempenho em contextos competitivos. 

3. Exemplo concreto de como aumentar a complexidade numérica num exercício de GR: os resultados dos modelos mostraram que 4 ou 5 jogadores/treinadores em interação constitui a unidade mínima de complexidade dentro da tarefa que providencia um contexto informacional mais representativo para os GRs. Este dado sugere que as sessões de treino de GR tradicionais, limitadas a um grupo de 1 ou 2 GRs em interação com o treinador de GR, podem ser insuficientes para conduzir de forma ideal a aprendizagem e a adaptação tático-técnica para os requisitos competitivos. Num contexto de 3 jogadores com 1 GR, a atividade pode ser projetada de maneiras distintas: (1) relação bivariada com o GR na baliza (cada jogador com uma bola a rematar de forma previsível; figura 4, painel à esquerda); (2) interações diversas prévias à finalização (grupo de 3 jogadores com uma bola; figura 4, painel à direita).

 

Figura 4. Ilustração de como um grupo de 4 GRs pode ser treinado durante uma atividade de remate, ou seja, um GR (a preto) na baliza e 3 a finalizar (a verde) (Bastias et al., 2024).

 

A primeira opção provavelmente gerará mais remates, mas estabelece apenas uma carga total de complexidade de 3 (i.e., 2!/2 = 1 para cada jogador com o GR). Por outro lado, a segunda opção configura uma tarefa de maior complexidade, expandindo os graus de liberdade dos GRs, ocasionando um aumento significativo de interações (i.e., 4!/2 = 12). Este tipo de atividade envolve uma progressão desproporcional em função do número de jogadores envolvidos, tornando a abordagem mais representativa no que ao desempenho específico dos GRs diz respeito. 

4. A relevância da configuração do espaço no treino de GRs: os treinadores devem priorizar atividades específicas para GR em espaços amplos, promovendo a recorrência de situações de remate e cruzamento de média a longa distância. Este tipo de formato oferece aos GRs mais tempo e espaço para reagir e executar ações controladas, facilitando também as transições defesa-ataque. Privilegiar ambientes de treino com menos jogadores e dimensões de campo mais representativas pode potenciar a aquisição e o aperfeiçoamento das habilidades próprias dos GRs. 

5. A prática acumulada de treino é relativa: a quantidade de dias de prática acumulados não influenciou diretamente o desempenho das GRs estudadas, insinuando que a performance não depende somente da quantidade de treino. Contudo, para a GR2, a interação entre o número de dias de prática acumulados e a complexidade numérica foi significativa. Assim, a quantidade de prática, por si só, não garante um desempenho eficaz, mas pode ser relevante quando combinada com fatores qualitativos, como a carga informacional suscitada pelo exercício. Em suma, a aquisição de habilidades e a melhoria do desempenho requerem mais do que horas de treino, exigindo que haja uma afinação progressiva às informações relevantes do envolvimento.

 

Conclusão

O estudo reforça a importância da manipulação de constrangimentos da tarefa, como o número de GRs envolvido e as características espaciais, em cenários de treino, como meio para regular as intenções e os comportamentos motores específicos. Além disso, a avaliação das performances dos GRs, especialmente durante o treino, requer uma perspetiva baseada em análises multivariadas. A adoção de uma tal abordagem exige uma colaboração estreita entre treinadores e investigadores/analistas, a fim de desenvolver soluções que simplifiquem as múltiplas dimensões da informação a um modelo mais interpretável, permitindo assim a melhoria da conceção das tarefas de treino. Apesar das limitações inerentes ao estudo, os resultados suportam o racional subjacente à dinâmica ecológica e à abordagem baseada nos constrangimentos, em particular no contexto do treino de GR. Estas correntes teóricas contrastam totalmente com as metodologias tradicionais que se concentram em atividades técnicas isoladas, frequentemente desvinculadas do contexto situacional do jogo.

 

P.S.:

1-  As ideias que constam neste texto foram originalmente escritas pelos autores do artigo e, presentemente, traduzidas para a língua portuguesa;

2-  Para melhor compreender as ideias acima referidas, recomenda-se a leitura integral do artigo em questão;

3-  As citações efetuadas nesta rubrica foram utilizadas pelos autores do artigo, podendo o leitor encontrar as devidas referências na versão original publicada na revista Journal of Sports Sciences.